Compaixão

A compaixão, de acordo com Kuyken e Feldman (2011), pode ser definida como um processo cognitivo, afetivo e comportamental que consiste nos seguintes cinco elementos referentes à compaixão para com os outros e para consigo mesmo:

(1) reconhecimento do sofrimento;

(2) compreensão da universalidade do sofrimento na experiência humana;

(3) sentimento de empatia pela pessoa que sofre e conexão com a angústia (ressonância emocional);

(4) tolerância aos sentimentos de incômodo despertados em resposta à pessoa que sofre, permanecendo assim aberto e aceitando a pessoa que sofre; e

(5) motivação para agir para aliviar o sofrimento.

Existem pelo menos cinco intervenções para o cultivo da compaixão que são empiricamente validadas. São elas a CFT (Compassion-Focused Therapy- Gilbert, 2014), MSC (Mindful Self-Compassion- Neff & Germer, 2013), CCT (Compassion Cultivation Training- Jazaieri et al., 2013), CBCT (Cognitively Based Compassion Training- Pace et al., 2009) e CEB (Cultivating Emotional Balance- Kemeny et al., 2012).  Os nomes dos programas serão mantidos em inglês para facilitar a pesquisa dos nossos leitores. A seguir, detalharemos cada uma delas.

Compassion-Focused Therapy

A Terapia Focada na Compaixão (Compassion-Focused Therapy– CFT) foi desenvolvida por Paul Gilbert ao longo dos últimos 20 anos. Seu fundamento teórico é baseado na psicologia evolutiva, na teoria do apego, nas neurociências e nas teorias sobre o comportamento social (Gilbert, 2010). Para o autor, na mente compassiva, estão envolvidos os processos psicológicos de motivação em se envolver com o sofrimento e também o comportamento, a ação de ajudar a aliviar e prevenir esse sofrimento.

O objetivo da intervenção é ajudar os pacientes a se tornarem mais sensíveis ao seu sofrimento assim como o das outras pessoas, desenvolvendo habilidades necessárias para aliviar esse sofrimento e prevenir que ele retorne. O desenvolvimento dessas capacidades de compaixão é realizado em uma relação terapêutica segura e protegida. Essas capacidades incluem: treino da atenção plena, cultivo de um ritmo de respiração calmante, práticas de imaginação, como por exemplo, imaginar um lugar seguro, onde o paciente se sinta seguro, em paz e tranquilo (Matsumoto et al., 2015).

Também é objetivo da intervenção oferecer psicoeducação sobre os sistemas de regulação emocional (sistema de ameaça, sistema de recompensa e o sistema de afiliação). O sistema de ameaça tem como função detectar rapidamente as ameaças e escolher uma resposta, por exemplo, lutar, fugir ou paralisar e está relacionado a emoções como raiva, medo e desgosto. O sistema de recompensa foi projetado para observar e prestar atenção aos recursos que nos trazem alguma vantagem e na busca e obtenção de prazer. O sistema de afiliação permite estados de quietude, calma, sensação de pertencimento, satisfação e contentamento. A CFT enfatiza como as pessoas encontram-se presas aos seus sistemas de ameaça e recompensa, o que muitas vezes acarreta em experiências de fracasso e altos níveis de autocrítica e vergonha.

Mindful Self-Compassion

O Mindful Self-Compassion foi desenvolvido por Kristin Neff e Christopher Germer especificamente como um programa para ajudar a cultivar a autocompaixão (Neff & Germer, 2013). É uma intervenção em grupo, de 8 semanas, cada sessão durando em torno de 2 ou 2,5 horas. Além disso, há a possibilidade de realizar um retiro de meditação.  No programa, são ensinadas práticas formais de meditação, por exemplo a respiração com gentileza e amorosidade, o escaneamento corporal compassivo, assim como práticas informais de autocompaixão. Também tem como objetivo substituir a voz autocrítica do indivíduo por uma voz mais compassiva – uma voz que conforta e lhe deixa seguro ao invés de acusá-lo por suas falhas. O programa aborda os valores centrais do indivíduo e o manejo de emoções difíceis.  É considerado um programa híbrido de Mindfulness e autocompaixão, sendo indicado tanto para população geral, quanto para algumas populações clínicas. Os fundamentos teóricos do programa incluem práticas do budismo tibetano e os benefícios das práticas de mindfulness e autocompaixão amplamente difundidos na literatura científica.

Compassion Cultivation Training

O Treinamento do Cultivo da Compaixão (Compassion Cultivation Training- CCT) foi desenvolvido por Thupten Jinpa e colegas (estudiosos da ciência contemplativa, psicólogos clínicos e neurocientistas) no Centro de Pesquisa e Educação em Compaixão e Altruísmo (Center for Compassion and Altruism Research and Education- CCARE) na Universidade de Stanford (Jazaieri et al., 2013). Os fundamentos teóricos da CCT incluem práticas contemplativas do budismo tibetano e psicologia ocidental (Jazaieri et al., 2013). A CCT tem um protocolo estruturado e abrange oito sessões, com cada sessão durando 2 horas, incluindo o seguinte: (1) instrução pedagógica com discussão em grupo, (2) uma meditação guiada, (3) exercícios práticos interativos e (4) Exercícios destinados a promover um senso de abertura do coração e conexão com os outros. As sessões oferecem treinamento didático e experiencial em práticas de compaixão em seis etapas: (1) desenvolvimento de habilidades de mindfulness; (2) experimentando bondade amorosa e compaixão por uma pessoa querida; (3) praticando meditação da bondade amorosa e compaixão por si mesmo; (4) compaixão para com os outros por meio da nossa humanidade comum compartilhada; (5) compaixão por todos os seres; e (6) “prática de compaixão ativa”, onde se imagina tirar a dor e a tristeza dos outros e oferecer-lhes a própria alegria e felicidade. Finalmente, os participantes são apresentados a uma prática integrada em que todos os seis passos estão incluídos em uma meditação diária completa baseada na compaixão (Jinpa, 2010). Os participantes recebem exercícios meditativos semanais.

Cognitively Based Compassion Training

O Treinamento da Compaixão na abordagem Cognitiva (Cognitively Based Compassion Training- CBCT) foi desenvolvido por Lobsang Tenzin Negi, Charles Raison e colegas (Ozawa-de Silva & Negi, 2013), originalmente para auxiliar estudantes de graduação universitária a desenvolver resiliência emocional. O CBCT foi concebido para ser de natureza secular, e seus fundamentos teóricos se baseiam na tradição tibetana budista de lojong (treinamento mental, Ozawa-de Silva & Negi, 2013). Também incorpora estratégias de mindfulness e reestruturação cognitiva. Possui uma estrutura de 6 semanas com duas aulas de 50 minutos por semana. Inclui oito estágios: (1) desenvolvimento da atenção e estabilidade da mente; (2) cultivo de uma visão sobre a natureza da experiência mental; (3) cultivo da autocompaixão; (4) desenvolvimento de equanimidade; (5) desenvolvimento de apreciação e gratidão pelos outros; (6) desenvolvimento de carinho e empatia; (7) realização de desejos e aspirações compassivas; e (8) realizando compaixão ativa para com os outros. Os participantes recebem tarefas semanais que envolvem a prática de uma técnica meditativa ensinada na sessão da semana.

Cultivating Emotional Balance

O Cultivando o Equilíbrio Emocional (Cultivating Emotional Balance- CEB) foi desenvolvido por Paul Ekman, Alan Wallace e colegas (Kemeny et al., 2012) e é um programa secular destinado a desenvolver o equilíbrio emocional (Ekman & Ekman, 2013). Os fundamentos teóricos do CEB baseiam-se na pesquisa científica ocidental sobre emoções e na tradição oriental da atenção focada (práticas de Shamatha) e das práticas das quatro incomensuráveis (bondade amorosa, compaixão, alegria empática e equanimidade). O programa cria caminhos para a compaixão, treinando e ensinando os participantes a reconhecer o sofrimento dos outros e de si mesmos e tolerar o sofrimento de forma mais eficaz por meio da aprendizagem de novas formas de gerenciar as emoções (por exemplo, atenção plena e meditação da bondade amorosa). O CEB é um programa de 42 horas, que envolve uma série de práticas contemplativas, incluindo atenção plena, meditação da bondade amorosa, promoção de empatia e compaixão e psicoeducação das emoções (Kemeny et al., 2012). É um programa notavelmente diferente das outras intervenções baseadas na compaixão, pois há uma ênfase na compreensão das emoções e no reconhecimento das emoções dos outros (Ekman & Ekman, 2013).

Todas essas intervenções possuem evidências científicas, com efeitos moderados na melhora da qualidade de vida e bem-estar, assim como na diminuição de sintomas de depressão e ansiedade. No Brasil, temos instrutores certificados para todas essas intervenções. É altamente recomendável que o cultivo da compaixão como intervenção na saúde, seja feito por instrutores treinados e, tão importante quanto, que a intervenção tenha validação científica.

Ekman, E., & Ekman, P. (2013). Cultivating emotional balance: Structure, Research, and implementation. In T. Singer & M. Bolz (Eds.), Compassion: Bridging practice and science (pp. 398–414). Munich, Germany: Max Planck Society.

Gilbert, P. (2010). Compassion focused therapy: Distinctive features. London, UK: Routledge.

Gilbert, P. (2014).The origins and nature of compassion focused therapy. British Journal of Clinical Psychology, 53,6 –41. doi:10.1111/bjc.12043

Jazaieri, H., Jinpa, T., McGonigal, K., Rosenberg, E. L., Finkelstein, J., Simon-Thomas, E., …Goldin, P. R. (2013). Enhancing compassion: A randomized controlled trial of a compassion cultivation training program. Journal of Happiness Studies, 14, 1113–1126.doi:10.1007/s10902-012-9373- z

Jinpa, G. T. (2010). Compassion cultivation training (CCT): Instructor’s manual. unpublished.

Kemeny, M. E., Foltz, C., Cavanagh, J. F., Cullen, M., Giese-Davis, J., Jennings, P., …Ekman, P. (2012). Contemplative/emotion training reduces negative emotional behavior and promotes prosocial responses. Emotion, 12, 338–350. doi:10.1037/a0026118

Matsumoto, L. S., Lotufo Junior, Z. & Lotufo Neto, F. Terapia Focada na Compaixão. In: Federação Brasileira de Terapias Cognitivas. Neufeld, C. B., Falcone, E. M. O. % Rangé, B. (Orgs). PROCOGNITIVA Programa de Atualização em Terapia Cognitivo-Comportamental: Ciclo 2. (pp. 33-35). Porto Alegre: ArtMed Panamericana. (Sistema de Educação Continuada a Distância, v. 1)

Neff, K. D.,& Germer, C. K. (2013). A pilot study and randomized controlled trial of the mindful self compassion program. Journal of Clinical Psychology, 69, 28–44. doi:10.1002/jclp.21923

Ozawa-de Silva, B., & Negi, G. L. (2013). Cognitively-based compassion training (CBCT) – Protocol and key concepts. In T. Singer & M. Bolz (Eds.), Compassion: Bridging practice and science (pp. 416–438). Munich, Germany: Max Planck Society.

Pace, T. W., Negi, L. T., Adame, D. D., Cole, S. P., Sivilli, T. I., Brown, T. D., …Raison, C. L. (2009). Effect of compassion meditation on neuroendocrine, innate immune and behavioral responses to psychosocial stress. Psychoneuroendocrinology, 34, 87 –98. doi:10.1016/j.psyneuen.2008.08.011

INDICAÇÃO DE LEITURA

Jinpa, T. Um coração sem medo: Porque a compaixão é o segredo mais bem guardado da felicidade. Ed Sextante, 2016. 

Neff, K. Autocompaixão: Pare de se torturar e deixe a insegurança para trás. Ed. Lucida Letra, 2017. 

Texto elaborado porErika Leonardo de Souza